quarta-feira, fevereiro 01, 2023

O Marquês da Bacalhoa, seguido de A Execução do Rei Carlos

ANTÓNIO DE ALBUQUERQUE
na capa e nas folhas de guarda reproduções fotográficas de Joshua Benoliel

Lisboa, 1 de Fevereiro, 2008
frenesi
1.ª reedição das edições princeps de 1908 e 1909
19 cm x 13 cm
384 págs.
subtítulo: Monárquicos e Republicanos
as imagens reproduzidas nas folhas de guarda devem ser consideradas inéditas
exemplar novo
24,00 eur (IVA e portes incluídos)

Transcrição integral do «Exórdio» à vertente edição:
«Grosso escândalo com o livro do Albuquerque – O Marquês da Bacalhoa. Este Albuquerque, conhecido pelo Lêndea, é o último descendente, pelo pai, do grande Afonso de Albuquerque, e, pela mãe, do grave, do douto João de Barros. Ainda aqui há anos, quando o rei visitou uma terra de província e se hospedou na casa dele, saíram das lojas caixotes de louça da Índia, que nunca tinham sido abertos. Ele tem tido uma vida de aventuras: bateu-se em duelo em Madrid, caçou no Cabo com lordes, tocou guitarra em Trouville e teve uma loja de instalações eléctricas na Itália. Agora é jornalista, escritor, poeta, e publica este livro de escândalo, em que a rainha, senhora na mais alta acepção da palavra, é posta de rasto… Mas faça-se-lhe justiça: tudo aquilo – e pior – anda por aí de boca em boca há muito tempo. E não vem de baixo – vem de cima…» (Raul Brandão, Memórias, I)
É num contexto histórico de revolta popular armada generalizada contra a ditadura do ministro monárquico João Franco que surge o romance panfletário de António de Albuquerque, em Janeiro de 1908; e, no dia 1 de Fevereiro, o inevitável regicídio, assumido por Manuel Buíça e Alfredo Costa. Fossem os deputados António José de Almeida, Egas Moniz, Afonso Costa, etc., ou o escritor Aquilino Ribeiro, as prisões enchiam-se de presos políticos, enquanto esquadras e quartéis iam sendo assaltados ou meramente destruídos à bomba. Timor, Moçambique, Angola, por exemplo, eram então autênticos viveiros de deportados… Só para se fazer uma ideia da influência ravacholista (a «poesia da dinamite») entre a população comum: a Carbonária, segundo o historiador Borges Grainha – que nem é único a dar à posteridade um tal retrato –, contava com algo como quarenta mil aderentes. «O lisboeta medroso foi substituído pelo lisboeta que dá tiros nos cafés…» (ainda nas palavras de Brandão). Deste mesmo modo, certos escritos da época, por seu turno, saíam dos entrefolhos da Literatura, descuidados na confecção estilística, respondendo à urgência do momento: consolidar uma opinião pública, legitimando d’avance a acção directa dos revoltosos.
Nunca se terá visto unanimidade mais geral, como a que os raros dicionários que se lhe referem patenteiam quando põem a sua garra sobre este autor: «escritor medíocre». E quando é Júlio Dantas, com a sua Ceia dos Cardeais, quem recolhe o elogio de «correcção formal», está tudo dito! Todavia, viviam-se dias pródigos em jornais de caricatura agressiva, e, entre o traço grosso e a reportagem de costumes, são esses os mais óbvios inspiradores da pena do nosso Albuquerque.
Gomes Leal, o fino poeta e panfletário, também ele frequentador das celas do Limoeiro, disto teve a visão à época, e, ao longo de três fascículos do seu Verdades Cruas, foi um dos arautos de Albuquerque. Começando por indignar-se com a ínvia apreensão do livro – «infeliz reputação régia que precisa de tais expedientes de confisco, mordaça e repressão, para encobrir e tapar as suas malhas podres, se acaso as tem, ou as há» (Verdades Cruas, n.º 15) –, acaba, em troca de correspondência pública com o autor, por tecer-lhe o necessário elogio:
«Reconheço a necessidade da severa História, da Sátira, do Panfleto, da Crítica dos costumes. A crápula do império romano, sem o desabafo dos historiadores e dos satíricos, seria uma vergonha hedionda e eterna da consciência Humana.
Disse-lhe que o seu romance era bem escrito, verdadeiro, mas cruel, e não me desdigo. A isto pode retorquir-me: Dura lex, sed lex!
Disse-lhe também que o seu romance fora mal revisto e continha muitos erros de imprensa que o apoucavam, e a isto retorquiu-me bem que ele fora impresso com imensas dificuldades, atabalhoadamente composto por tipógrafos inábeis, e em locais acanhados e secretos, para evitar as pesquisas e perseguições políticas. Compreendi então todos os defeitos que o maculavam, e que fizeram dizer à crítica injusta que o romance era mal feito, mal escrito, mal posto em acção e num péssimo português mascavado.
Console-se porém de todas as contrariedades e anátemas que lhe acarretaram o seu livro. Lembre-se que vai em camaradagem com muitos outros espíritos superiores excomungados pelos anátemas dos injustos contemporâneos, por perpetrarem também livros chamados revolucionários, hereges e malditos.» (Verdades Cruas, n.º 17)
Figuras gradas da época podem, então, aí ser identificadas sob a máscara ridícula do seu nome romanesco. Sabendo-se que a família real é dada pelos Bacalhoas, torna-se fácil decifrar, por exemplo, o ditador João Franco num João Nunes dos Santos, Mouzinho de Albuquerque num coronel Luna, o marquês de Soveral num Álvaro Negrão, o próprio autor em José Gusman, etc., etc., numa girândola implacável que, ao semear a saudável risada, colheu o ódio da polícia. Reproduz-se adiante, frente e verso, uma das muitas folhas que, por vezes, os leitores iam deixando dentro dos livros, onde identificavam, à sua responsabilidade, os figurões: procurar confirmação do que lá se afirma, é hoje tarefa de ratazana universitária.
A Execução do Rei Carlos (de 1909; óbvio desenlace do livro anterior) fica-se pela marca azeda de um fugitivo às sequelas do regicídio, cônscio de como fora traído, ou pelo menos frustrado nas expectativas. Sentimento, aliás, comum a tantos revolucionários sempre que deixam para trás de si portas abertas desaproveitadas… A (in)acção decorre em Espanha, e, para além do lamento pessoal, capta, da boca de um directo interveniente nos acontecimentos que vitimaram a família real, detalhes desse dia que virou o país de pernas para o ar. Limpando os escolhos “literários”, subsiste na sua pungência original uma passagem da nossa História, das difíceis de se lhe omitir a parte maldita.
E no fim de tudo (Junho, 1923), de novo Raul Brandão não se esquecerá de redigir um apontamento sobre a morte, em Sintra, do autor d’O Marquês da Bacalhoa:
«Já há longos meses que tinha desaparecido dos cafés. Nos últimos tempos queixava-se:
– Enquanto fui pobre, tive sempre saúde, agora, que herdei, estou sempre doente.
Morreu dum cancro na bexiga, depois de sete meses dum sofrimento horrível. Vivia enovelado, sobre um charco de urina, a gemer, num quarto onde ninguém podia entrar por causa do fedor. Tinham-lhe feito uma operação à bexiga e, quando lhe deram com o cancro, já lhe não puderam coser toda a abertura.
Estava sempre a gritar e a mijar-se. Antes de morrer, mandou pedir perdão à rainha e chamou um padre, pedindo perdão a Deus.
O Marquês da Bacalhoa chamou-se primeiro Enseada Azul. Quem lhe insinuou o título definitivo foi o Gualdino Gomes. Imprimiram-no num quarto andar da rua do Arco do Bandeira, numa dessas pequenas oficinas a que os tipógrafos chamam catraia. Mas quem o escreveu? Alguns dos capítulos não são do António de Albuquerque…» (Vale de Josafat, Memórias, III)

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